ENTREVISTA
éle fernandes
Minas Gerais / betim
Entrevista realizada em Março de 2025.
Éle Fernandes é diretora da Associação Artes Sapas, um coletivo que impacta diretamente o fazer de artistas trans, travestis e não-bináries, lésbicas, bissexuais e panssexuais, promovendo trabalhos e valorizando sua arte, também é diretora administrativa do Ateliê Artes Sapas. Pesquisadora na Plataforma Sapatão no Teatro. É atriz/produtora na Coletiva Fanchecléticas, autora do livro Infanto-Juvenil “Nina a pequena rã". Graduanda de Psicologia pela PUC - Minas Betim e é atriz contratada no Centro de Simulação Realística do Curso de Medicina da PUC Minas.

como o teatro entrou na sua vida?
Eu era estagiária na prefeitura da cidade em que eu morava, eu trabalhava em um setor de finanças, foi aí que eu conheci Fernando, meu padrinho, que olhou em meus olhos e disse que eu tinha nascido para ser artista, achei bem estranho, mas topei fazer um curso de teatro na minha cidade que ele propôs. Na primeira semana de aula, o professor propôs que a gente pegasse uma música (a minha foi Leãozinho - Caetano Veloso ) e decorasse a música , na- Caetano Veloso) e decorasse a música, na outra semana ele pediu para que eu fizesse a música apavorada, e eu não consegui, e ele começou a me apavorar, até eu consegui fazer a música totalmente apavorada, aquilo me despertou um prazer tão grande, de conseguir acessar aquele sentimento, aquela forma, e depois alegria, raiva, tristeza, desespero, fui aprendendo a dominar aquilo e me apaixonei pelo teatro, me apaixonei com a possibilidade de ser artista.
Fale um pouco pra gente sobre sua trajetória no teatro até os dias atuais.
Iniciei o ano de 2025 integrando a plataforma “Sapatão no teatro”. Em 2024 fui assistente de direção da cena curta "Num piscar de olhos" de Letícia Bezamat. Em 2023 realizei a produção da cena “Salada Mista” , dirigida por Amora Tito. Em 2022, participei da ACUENDA LGBT+ 2ª Mostra de Manifestações Artísticas Culturais Pautada pela Diversidade de Gênero em Ipatinga, MG, e da performance “As Saponas” , que também foi apresentada na 26ª Parada LGBT+ de São Paulo . Em 2021 recebi junto a coletiva Fancheclética o prêmio de Melhor Cena ao Vivo no 22º Festival de Cenas Curtas do Galpão Cine Horto com a cena curta “Tia Nina Sapatão”.
Em 2020, fui residente artística no Lab Cultural BDMG , com mentoria de Grace Passô, e participei de diversas apresentações, como “Adoção” , na programação do Minas Arte na Casa da Assembleia Cultural MG, e do espetáculo de mamulengo “A Primeira Morte da Morte” , que foi apresentado no Inverno Estelar do Espaço Luiz Estrela. Em 2019, estive envolvida em festivais como o Festival Candeia e o Levante - Festival Internacional de Mulheres em Cena . Minha atuação foi destacada também na Virada Cultural de BH, com a performance Soneto do [des]encanto , ao lado de Andréa Rodrigues, Ariadina Paulino e Priscila Rezende, participei como atriz convidada da cena 3X4 dramaturgia de Amora Tito/Direção: Breve Cia que participou do Rascunho de Cena do Galpão Cine Horto, ainda com atriz convidade participei também do espeatculo Os negros, Direção: Rogério Lopes/ Direção musical: Júlia Tizumba.
Em 2018, fui parte de produções como "eia" , e da Festa de Bacana , com textos de Jô Bilac e direção de Rogério Lopes. Apresentei a cena curta “A Saia Almarrotada” , baseada no conto de Mia Couto, e a performance “Sinal Vermelho” , realizada com Adriana Chaves, Ana Elisa e Saulo Calixto na Mostra TU .
Em 2017, integrei a Trupe A Torto e A Direito , apresentando-se em espetáculos como "Que Menino É Essa?" , um Auto de Natal com mamulengo, e “Cala Boca Rodney” . Participei de “Tragédia Carnavalizada” , dirigida por Rogério Lopes, que integrou a 18ª edição do Festival Cenas Curtas do Galpão Cine Horto, e da produção “Madame Satã” , que participou da Campanha de Popularização do Teatro e da Dança .
Nos anos anteriores, em 2016 e 2015, fiz participações em montagens como “O Palhaço e a Santa” , dirigido por Fernando Limoeiro, e “Laços de Sangue” , uma adaptação de Garcia Lorca. Também participei da 4ª Virada Cultural de Belo Horizonte com o espetáculo "Exclusos".
O que você tem investigado ultimamente?
Além da pesquisa “sapatão no teatro”, tenho pesquisado “sapatão” como identidade de gênero.

Foto: Roberta Viana
Durante sua trajetória no teatro você trabalhou com muitas sapatonas?
Em 2020, ao ingressar na Coletiva Fanchecléticas, comecei a desenvolver diversos trabalhos com a temática sapatão. Esses trabalhos não se limitaram ao teatro, mas envolveram diferentes linguagens artísticas.
Na sua opinião, qual a importância de se afirmar sapatão, nas coisas cria?
Como mencionei, uma das minhas pesquisas tem sido “Sapatão como identidade de gênero”. Parafraseando Simone de Beauvoir, “não se nasce sapatão, torna-se sapatão”. Com isso, quero dizer que nossa construção social deve andar de mãos dadas com a construção cultural. Se afirmar sapatão é política, é simbólica, é cravar nas paredes da memória do tempo nossas histórias, nossa subjetividade e nossas coletividades. É narrar nossas vivências pela nossa própria voz, pelos nossos próprios dedos, pelos palcos, ruas, avenidas. Essa reflexão transformou profundamente minha relação com a arte, especialmente quando me enxerguei, enquanto pessoa negra, pessoa periférica, pessoa sapatão.
Pessoas sapatão existem desde que o mundo é mundo, e estou aqui e conheço várias.
Maus Hábitos, minha peça de formatura na Escola de Teatro PUC Minas, foi uma peça sapatão dirigida por uma sapatão, a grandona da Marina Viana. Eu tinha 19 anos. Ser dirigide por uma pessoa sapatão me trouxe uma sensação de segurança muito grande pra me colocar alí. Consegui levar pro espetáculo muito de mim, muito do discurso político que acredito também. Eu lembro da alegria que foi quando eu descobri que era ela quem ia dirigir a gente, me lembro de uma amiga chegando perto no primeiro dia de aula e dizendo: Você sabia que nossa diretora é sapatão? Depois de uma semana de ensaios, eu cortei meu cabelo curtinho pela primeira vez.