ENTREVISTA
Iara Piris
Amapá / Macapá
Entrevista realizada em Março de 2025.
Realiza trabalhos como produtora cultural, atriz, jovem dramaturga e pesquisadora do TNEGRAP [IC premiada no XIII CONAIC 2024]. É atuante no Coletivo Noz de Cola, Coletivo Iguana, e Cia Dart'luz. Tendo como principal investigação o teatro negro LGBTQIAPN+ partindo de memórias junto a poética feminina, seus mais recentes trabalhos autorais são "Memória de um corpo esquecido" e "AGOJIE".

como o teatro entrou na sua vida?
Eu venho de uma família que fez teatro por um tempo, minha mãe conheceu meu pai nesse meio e então eu tive uma infância onde esperar o ensaio acabar era uma rotina, tanto no teatro quanto na rua. Tive algumas experiências de atuação na infância, mas em 2022 ingressei no curso de licenciatura em teatro da unifap, daí o caminho de torna-se negra e atriz se iniciou, me apaixonei por dramaturgia e comecei a pensar que vivências sapatonicas precisam ser compartilhadas no teatro, e depois de um ano trabalhando com Memórias de um corpo esquecido, que é meu primeiro texto cênico, eu percebi que tinha me tornado atriz e principalmente, entendi que ser atriz e lésbica no norte do país ia ser um pouco mais difícil a trajetória.
Fale um pouco pra gente sobre sua trajetória no teatro até os dias atuais.
Passei um curto período trabalhando sem fazer parte de algum lugar, até fundar o Coletivo Iguana com minhas amigas e então a gente se fez presente em diversos lugares onde poderíamos lutar por uma cultura queer, e conseguimos fazer parte da criação do fórum de cultura LGBTQIAPN+ (AP), Além de que Memória de um corpo esquecido só é possível em cena por elas. A Cia Dart'luz é onde eu tenho a chance de mudar a infância de garotinhas negras que se identifiquem comigo através de Abayomi Tucuju. Já o Coletivo Noz-de-Cola é feito para contar as vivências de mulheres negras e lá estou eu, compartilhando sapatonices e sendo dirigida por uma sapatão. Bom é notório que meu trabalho é no coletivo, além disso tudo ainda tem a produção cultural, e é algo que eu sempre vou levar comigo, porque teatro/cultura não se faz sozinha.
O que você tem investigado ultimamente?
Estou em um processo de criação "memórias, círculos e chão" e nele eu tenho pensado o que levar em cena de vivências lésbicas, (a partir da minha vivência) e entrelaçando com as das envolvidas no trabalho, mas estou fazendo isso em um lugar onde a grande maioria da plateia não é da comunidade, o que faz iniciar uma pesquisa a respeito e perceber que dificilmente existe interesse por teatro LGBTQIAPN+ onde eu moro e o que já tem existente não é notado, o que faz com que as pessoas escolham outro tipo de atuação.

"memórias, círculos e chão" - Arquivo pessoal de Iara
Durante sua trajetória no teatro você trabalhou com muitas sapatonas?
Infelizmente não, tive a sorte de ter uma professora no curso de teatro que me dirigiu 3 vezes até o momento e que compartilhou comigo suas dramaturgias, uma delas sendo sáfica. Atuei em uma peça onde o papel lésbico estava comigo e tinha outra atriz lésbica em cena, mas não considero por questões de que o texto originalmente era para um casal gay e não foi adaptado da melhor forma, o que ocasionou em mulheres com atitudes masculinas (ruins) e sendo dirigidas por dois homens.
Você já atuou/trabalhou em outras peças com temática sapatão?
Sim, Memórias de um corpo esquecido
Originalmente ele não seria com foco nessa temática e ficaria como experimento cênico por eu não estar preparada pra compartilhar todas as informações e camadas que existem nele, mas depois de pensar e repensar acabou que passei um ano apresentando ele algumas vezes, até entender que sim ele está na temática. Ele foi criado em 2023, o texto tem temática racial, social e romance, foi apresentando pela primeira vez em março de 2024, fez parte da minha pesquisa do tnegrap que foi premiada no final desse mesmo ano, foi capa do arteafro (evento nacional realizado pelo curso de teatro unifap) sua última apresentação foi no compartilhamento do resultado da pesquisa citada. A recepção do público sempre é silenciosa, como quem não sabe o que dizer sobre por se tratar de temáticas pesadas e o espetáculo ser intimista, mas pra quem é da comunidade é choro e felicidade por entender tão bem e no final os sorrisos de quem viu um romance acontecer em meio ao caos.
Na sua opinião, qual a importância de se afirmar sapatão, nas coisas cria?
É de extrema importância, quando se faz parte de uma comunidade que sempre é marginalizada deve se comemorar e titular as vezes que se estar em cena e entender que estamos conseguindo ocupar os espaços, mesmo em uma sociedade que insiste em dizer não para pessoas como nós.
Conta pra gente uma memória, uma história, uma situação
Em dezembro de 2023 eu escrevi uma carta de amor, para o meu amor, e o universo não achou suficiente ela ficar entre duas pessoas de tão íntima e genuína que é. Então essa carta se tornou cena, pesquisa, capa de evento, inspiração... Ela tem um pedaço assim "acredite em mim quando digo que você é incrível, além de extremamente linda, porque assim.. eu não consigo lidar com tanta beleza e como você...". Todas as vezes que eu apresentei ela estava lá ouvindo essa mesma carta, acompanhando os mesmos gestos, vendo a reação da plateia e me beijando pois apresentação.