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ENTREVISTA 

Julia Jota

Minas Gerais / Belo Horizonte

Entrevista realizada em Março de 2025.

Julia Jota, 27 anos, é mineira e atua na produção cultural. Graduada em Licenciatura em Teatro pela UFMG (2017-2024), integrou o Ars Nova - Coral da UFMG como bolsista de produção (2022-2024). Atualmente, faz parte da Mercuria Conecta, produtora cultural focada em acessibilidade, empregabilidade LGBTQIAPN+ e democratização da cultura, onde também atua como assistente de comunicação. Trabalhou como produtora, co-criadora e operadora de luz em Defesa (2022-2024). Outros projetos incluem as exposições Drift - Vida em Coisas (2023) e Portinari Raros (2023) no CCBB - BH, o festival Acessa BH 2024, e o lançamento do disco Queimaram Minhas Malas de Musica, de Hugo Xaber.

Foto da artista Júlia Jota

como o teatro entrou na sua vida?

O teatro entrou na minha vida aos dezesseis anos através de um prjeto realizado pela minha professora de artes do ensino médio. A professora me incentivou a continuar a pesquisa/estudo em teatro fora da escola, fiz um ano de curso livre e entrei para a graduação em teatro da UFMG. Hoje, licenciada em teatro, não atuo nem como professora nem como atriz, mas mas sim como produtora teatral/cultural.

Fale um pouco pra gente sobre sua trajetória no teatro até os dias atuais.

Minha trajetória no teatro começou em 2015, com cursos livres, e seguiu com minha entrada na UFMG em 2017, onde me formei em Licenciatura em Teatro. Durante o curso, percebi que atuar não me trazia tanto prazer quanto eu imaginava, o que me levou a explorar outras possibilidades dentro do universo teatral. Fui tateando até encontrar um lugar onde eu pudesse me expressar de forma mais completa e me encontrei na produção cultural. Foi a partir desse ponto que comecei a me dedicar ao processo de criação e execução de projetos e montei uma produtora cultural junto de dues amigues (Kami Soares e Julia Campos) chamada Mercuria Conecta.

Minha experiência profissional começou com a produção e operação de luz do espetáculo Valete (2022) e seguiu com a assistência de produção na circulação do espetáculo infantil Festa do Pijama, do grupo Oriundo (2022). Em seguida, trabalhei na produção e operação de luz da primeira temporada de Defesa (2022) e da segunda temporada (2023). A partir de 2023, comecei a me dedicar à produção cultural em um leque mais amplo, trabalhando em duas exposições no CCBB (Portinari Raros e Drift - Vida em Coisas), operando a luz do espetáculo "Jequitinhonha: Origem e Gesto" da Companhia de Dança do Palácio das Artes e entrando como bolsista de extensão na equipe de produção do Coral Ars Nova da UFMG.

Em 2024, fiz a produção da terceira temporada de Defesa, fui parte da equipe de produção do Acessa BH, fui produtora do projeto Circuito de Oficinas de Teatro para Infância e estou na equipe de produção de cinco projetos aprovados em leis de incentivo à cultura, alguns ligados ao teatro e outros não. Mesmo os projetos que não são diretamente ligados ao teatro fazem parte da minha trajetória, pois todos começaram com minha busca por entender onde eu cabia dentro desse universo e, com isso, me encontrei no campo da produção cultural.

O que você tem investigado ultimamente?

Atualmente, tenho me dedicado a investigar formas de tornar a produção cultural mais acessível, especialmente voltada para as comunidades queer e def. Nesse sentido, a Mercuria Conecta, produtora da qual faço parte, tem sido um grande motor dessa investigação. Ela foca na criação e execução de projetos que garantam a participação dessas comunidades em processos criativos e no acesso à cultura, sempre pautada pela ideia de fortalecer as redes de colaboração entre artistas dessas comunidades.

Dentro desse trabalho, tenho investigado metodologias de produção cultural que consigam responder de forma direta às especificidades dessas vivências, mantendo a potência criativa e política que esses grupos trazem. Tudo isso visa democratizar o acesso à arte.

Uma jovem sorridente com cabelo raspado e um suéter listrado amarelo, branco e laranja, parece confiante em um fundo escuro.

Durante sua trajetória no teatro você trabalhou com muitas sapatonas?

Graças a deus, sim! Digo assim porque trabalhar com pares é muito, muito importante. A equipe de Defesa (direção Igui Leal; elenco Julia Campos e Kami Soares) é mais de 80% LGBTQIAPN+, tendo um recorte sapatão muito bem definido, assim como outros vários projetos escritos e executados pela Mercuria Conecta, nos quais fazemos questão de ter a equipe inteira ou majoritariamente dentro da sigla. A troca com outra sapatonas da arte me ensina e fortalece minha prática, e também me motiva a passar esses aprendizados adiante. Trabalhar com outras pessoas sáficas dentro do teatro (e das artes em geral) é uma forma de resistência e de reafirmação da nossa identidade. Ao compartilhar esse conhecimento, contribuo para que mais sapatonas se sintam confiantes a ocupar o espaço da produção cultural, levando para espaços de cultura a potência de quem somos.

Você já atuou/trabalhou em outras peças com temática sapatão? 

Sim, um dos trabalhos mais marcantes que fiz com a temática sapatão foi no espetáculo "Defesa". A peça tem uma abordagem muito próxima e natural sobre as relações entre mulheres, com a vivência de uma relação sapatão como eixo central. A criação do espetáculo envolveu um time diverso: a direção foi de uma pessoa não binária e pansexual, enquanto a dramaturgia e o elenco foram compostos por uma mulher cis bissexual e uma pessoa não binária sapatão. Isso trouxe uma riqueza enorme para o processo criativo, pois conseguimos trazer para o palco nossa própria experiência e realidade, sem adornos ou clichês.

Eu estive diretamente envolvida na produção e operação de luz nas duas primeiras temporadas, em 2022 e 2023, e a recepção do público foi extremamente positiva. Muitas pessoas se identificaram com a história e comentaram sobre como foi importante ver a representatividade de uma relação sapatão de maneira tão autêntica e sem estigmas. O espetáculo também abriu diálogos importantes sobre questões afetivas dentro da comunidade queer, e acredito que proporcionou um espaço de reflexão sobre como essas relações podem ser representadas no teatro de forma mais genuína e respeitosa.

Foi (e é, pois segue viva!) uma experiência muito rica, não só pela qualidade da criação e execução do trabalho, mas pela conexão real que conseguimos estabelecer com o público.

Na sua opinião, qual a importância de se afirmar sapatão, nas coisas cria?

Toda. Serei lida de uma outra maneira e nao digo isso de maneira pejorativa ou descriminatoria. É importante para mim que me vejam como uma profissional das artes sapatão. É importante para mim que vejam que sapatonas estão ocupando a cultura desde os backstages até os holofotes, passando da técnica à coordenação de produção. Uma vez que, em minha concepção, ser sapatão é uma questão identitária e cultural, a importância mora em sermos vistas e termos lugares de segurança para trabalharmos e mostrarmos nossos processos e nossos produtos.

Conta pra gente uma memória, uma história, uma situação

Conheci minha namorada trabalhando em um espetáculo sapatao. Eu trabalhando, ela na plateia. Uma já sabia que a outra existia mas naquele dia eu OLHEI pra ela, de verdade. O resto é história.

"...É importante para mim que vejam que sapatonas estão ocupando a cultura desde os backstages até os holofotes, passando da técnica à coordenação de produção. Uma vez que, em minha concepção, ser sapatão é uma questão identitária e cultural, a importância mora em sermos vistas e termos lugares de segurança para trabalharmos e mostrarmos nossos processos e nossos produtos..." julia jota

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