ENTREVISTA
Letícia Bezamat
Minas Gerais / Belo Horizonte
Entrevista realizada em Março de 2025.
Atriz, sapatrans não-binárie, formada pelo CEFART – Palácio das Artes. Designer gráfica graduada na Escola de Design/UEMG. É presidenta da Associação Artes Sapas, um coletivo que impacta diretamente o fazer de artistas trans, travestis e não-bináries, lésbicas, bissexuais e panssexuais, promovendo trabalhos e valorizando sua arte, também é coordenadora e produtora gráfica do Ateliê Artes Sapas. Foi artista residente do 8º Bolsa Pampulha/2022 junto do coletivo Artes Sapas. Atua como atriz e coordenadora de comunicação nas produções da Coletiva Fanchecléticas. Dentro das Fanchecléticas já atuou em diversas montagens e atualmente está em processo de um novo espetáculo com previsão de estreia para Junho/2025. Atualmente trabalha também como editora de livros e designer gráfica em produções de coletivos de artistas e produções culturais.

Foto: @liriofoto
como o teatro entrou na sua vida?
Hoje vejo que o teatro entrou na minha vida através de políticas públicas de cultura na cidade onde eu nasci, que é São João Del Rei. Quando criança minha mãe me matriculava todo ano, no festival de inverno da Universidade Federal de São João Del Rei, em oficinas de circo e teatro, canto, etc. Eu tenho muitas memórias desses momentos do ano onde eu encontrava arte e me identificava muito. Futuramente estudei a graduação de Teatro nessa universidade por um ano dai em diante tudo foi se encaminhando. Eu me mudei pra Belo Horizonte depois e aqui estudei teatro na PUC Minas e também no CEFART - Palácio das Artes. Nesses espaços conheci as parcerias que até hoje criam e seguem no corre de fazer Teatro junto comigo.
Fale um pouco pra gente sobre sua trajetória no teatro até os dias atuais.
Moro há 12 anos em Belo Horizonte e neste período participei de diversas experiências no Teatro. Destaco o CECAD - Sesc - coordenação Eid Ribeiro (2016), Escola de Teatro - PUC Minas (2012), criações com artistas de coletivos como a Cia 21 Gramas (2014) e Fáustica Companhia (2015), Companhia FazMeRir (2019) e Companhia DizTrava Através do Olhar (2023). Além disso, já prestei serviços como artista gráfica para outros coletivos de teatro da cidade como a Companhia Caxangá, Companhia Toda Deseo e Companhia Circunstância.
Me formei técnica em teatro no Palácio das Artes em 2019. Nas minhas formaturas fui dirigida pelo ator Vinícius Souza ( Espetáculo Montagem) e o diretor Márcio Abreu ( Espetáculo VINTE ) - experiências muito ricas para minha trajetória. No período da formação no CEFART integrei a Fanchecléticas Companhia - inaugurada em 2019, que faço parte até hoje como atriz, designer e coordenadora de comunicação.
Acredito que a minha trajetória ganhou muitos caminhos depois que integrei as Fanchecléticas e fundamos a Associação Artes Sapas. Atualmente sou presidenta da Associação Arte Sapas que impacta diretamente o fazer de artistas trans, travestis e não-bináries, lésbicas, bissexuais e panssexuais, promovendo trabalhos e valorizando sua arte. Juntes realizamos inúmeros trabalhos no teatro, no audiovisual, performances de mascaramento, tangenciando a literatura e múltiplas artes integradas.
O que você tem investigado ultimamente?
Tenho investigado pespectivas não binárias nas artes e também aprofundado na pesquisa do novo espetáculo das Fanchecléticas - Expedição Reversa - nessa peça a gente faz um resgate, uma viagem no tempo, uma arqueologia de histórias sapatônicas, desviantes, dissidentes. Me interessa o teatro que é pensado pra trocar e de alguma forma dialogar com quem vê, que deseja mudar o mundo, no mínimo.

Foto: @mayarafrancoph - Cortejo Truck do Desejo - 2025
Durante sua trajetória no teatro você trabalhou com muitas sapatonas?
Felizmente sim! Desde que comecei a trabalhar com as Fanchecléticas nós começamos a pirar muito nessa busca de encontrar e criar junto de outras sapatonas. Nesse período de quase 6 anos, nós realizamos cenas curtas, saraus, mostras, encontros, festivais com esse desejo de encontrar outras sapatonas e outras identidades fanchas mas tudo isso foi fruto de uma falta mesmo, não encontrávamos esses espaços, essas pessoas, então por isso pensamos que era o momento da gente criar e promover esses lugares.
Você já atuou/trabalhou em outras peças com temática sapatão?
Sim. A primeira foi "Eu não sei você mas eu sou sapatão" que eu somei na técnica, foi quando eu conheci es menines e começamos a trocar. Depois daí, criamos a cena curta Tia Nina Sapatão; A primeira morte da Morte (Cia FazMeRir ) que era uma peça de mamulengos que abordava a violência contra a mulher e lesbofobia - peça essa que tivemos muita dificuldade de produzir por que houve muita resistência, algumas pessoas tiravam as crianças da plateia quando a personagem Xica se declarava pra Rosinha, nunca esqueço disso. Criei junto com a Nádia Fonseca, as Saponas, um mascaramento em forma de sapa que derivou uma série de coisas na nossa vida, foi a partir disso que surgiu a Associação Artes Sapas e outras criações coletivas que falavam sobre sapas e sapatonices. Nesse período criamos o filme A Rua O Rio - direção da Denise Lopes - também com a Cia FazMeRir, esse filme também falava sobre sapas, sapatonas e os rios das cidades. Com as Fanchas também criamos o Sarau Fancheclético e a cena curta Expedição Reversa que agora será nosso primeiro espetáculo.
Na sua opinião, qual a importância de se afirmar sapatão, nas coisas cria?
Eu acredito que isso é extremamente político, não me interessa reproduzir modos e estruturas que não dialogam com a minha existência, com a existência de corpas LGBTQIAPN+, por isso a minha presença em cena é pra contar desse mundo onde existimos, das histórias onde nós existimos com profundidade e sobretudo das histórias onde há espaço pra gente prosperar, ser felizes, compartilharmos conhecimento, histórias onde a gente é real e não um produto fetichizado, subalternizado, capturado pelo capitalismo. Histórias que mostram como a gente é importante pra transformar a cultura e a sociedade num lugar menos chapado, homogêneo, padrão.
Conta pra gente uma memória, uma história, uma situação
Nas minhas melhores memórias sempre lembro das rodas de rima com Karin, Dé, Éle, Nádia, Mel e Libéria - artistas da coletiva Fanchecléticas. Existe algo muito forte em nós que movimenta uma vida pelo Teatro, pela arte. Somos muito diferentes, nos conectamos por essa tal sapatonice que nos atravessava mas há mais do que isso, um fogo de vida que tá presente em artistas que eu admiro muito, acho que o nosso respeito e afeto pelo Teatro faz parte disso.